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PARE DE FUMAR - A Dependência da Nicotina - Parte 3


Nicotina é um alcaloide (substância orgânica nitrogenada existente nas plantas e em alguns fungos), encontrado nas folhas do tabaco (Nicotiana tabacum), planta originária das Américas. 

Absorvida por via oral ou pulmonar, chega ao cérebro em segundos e depois, dissolvida no sangue, vai sendo excretada rapidamente.

Quando os neurônios percebem que ela está escapando dos receptores, provocam um grau de ansiedade que só quem foi fumante sabe o que representa. É a crise de abstinência.

Entre as mais de 4.700 substâncias nocivas presentes no cigarro, a nicotina é a responsável pela dependência, que é maior do que a de drogas como a cocaína e a heroína. As primeiras tragadas que o indivíduo dá na vida, em geral, são acompanhadas de tontura, enjoo, mal-estar. 

Depois, trazem sensação de prazer fugidio e, a seguir, alterações de humor causadas pela privação da droga. Assim, cigarro após cigarro, o organismo do fumante e também o do não fumante que convive no mesmo ambiente vai sendo minado e a saúde dos dois acaba seriamente comprometida.

Nicotina é uma droga que anda com péssimas companhias. Pouco contribui para as doenças causadas pelo cigarro, deixa o serviço sujo por conta das centenas de substâncias tóxicas resultantes da queima do fumo, inaladas ao mesmo tempo.

É ela, entretanto, a responsável pela dependência química que escraviza o usuário. Não existisse nicotina nas folhas de fumo, o cigarro daria tanta satisfação quanto fumar um pé de alface.

80% dos que tentam livrar-se dessa droga fracassam já no primeiro mês de abstinência e porque míseros 3% permanecem abstinentes depois de um ano.

O cigarro é um dispositivo projetado para administrar partículas de nicotina dispersas na fumaça.

Absorvida nos alvéolos pulmonares, a droga cai na circulação e chega ao cérebro em velocidade vertiginosa: 6 a 10 segundos.

Sabe Deus por que capricho, os neurônios de algumas áreas cerebrais possuem pequenas antenas (receptores) às quais a nicotina se liga. A ligação com os receptores abre canais na membrana desses neurônios, através dos quais transitarão diversos neurotransmissores, substâncias que interferem com a intensidade dos estímulos que trafegam de um neurônio para outro.

Um deles é a dopamina, mediador associado às sensações de prazer e à compulsão que nos faz repetir as experiências que as proporcionaram, sejam sexuais, gustativas ou induzidas artificialmente por drogas psicoativas como cocaína ou maconha.

A nicotina induz prazer e reduz o estresse e a ansiedade. O intervalo entre as tragadas é ajustado na medida exata para controlar a excitação e o humor. Fumar melhora a concentração, a prontidão das reações e a performance de algumas tarefas. A simples manipulação do maço, o gosto, o cheiro e a passagem da fumaça pela garganta são suficientes para trazer bem estar ao dependente.

A razão mais importante para esses benefícios é o simples alívio dos sintomas da síndrome de abstinência. Das drogas conhecidas, nenhuma causa abstinência mais avassaladora: irritabilidade, agitação, mau humor, ansiedade crescente e anedonia, a incapacidade de sentir prazer.

A exposição repetida dos neurônios à nicotina dispara o mecanismo de tolerância ou neuroadaptação, por meio do qual o número de receptores aumenta em suas membranas. Como consequência, para experimentar o mesmo prazer do principiante o cérebro passa a exigir doses cada vez mais altas. Negar-se a fornecê-las é cair no inferno.

A repetição diária de crises de abstinência alternadas com a felicidade de ficar livre delas leva o cérebro a associar os efeitos agradáveis da nicotina com certos ambientes, situações e momentos específicos. Esse conjunto de fatores é responsável pelo condicionamento que obriga a acender mecanicamente um cigarro antes mesmo da necessidade consciente de fazê-lo.

Estados de humor desagradáveis, ansiedade e irritação de qualquer origem são lidos pelo cérebro como falta de nicotina e urgência para fumar.

Estudos realizados com irmãos gêmeos mostram elevado grau de predisposição genética envolvido na aquisição da dependência, nas características dos sintomas de abstinência e até no número de cigarros fumados por dia.


O comportamento das mulheres fumantes é mais influenciado pelo condicionamento e pelos estados de humor negativos; o dos homens, mais pelos estímulos farmacológicos da droga. Os homens regulam as doses de nicotina inaladas com mais precisão e conseguem parar de fumar com menos sofrimento.

Primariamente, a nicotina é metabolizada por uma enzima do fígado (CYP2A6). Pessoas nas quais essa enzima apresenta atividade reduzida, mantém a droga mais tempo em circulação e tendem a fumar menos. Metabolizadores rápidos precisam fumar mais, apresentam sintomas de abstinência mais intensos e encontram maior dificuldade para largar do cigarro.

Droga maldita. Não conduz a nenhum nirvana, não desperta fantasias psicodélicas nem traz sensação de felicidade plena. O que faz o fumante cair nas garras do fornecedor é o condicionamento associado à sucessão dos sintomas de abstinência aplacados imediatamente pelo cigarro seguinte. Fumar se torna condição sine qua non para sobreviver com dignidade.

Infernizar a vida do fumante é mau método para fazê-lo deixar de fumar. Ele é o primeiro a reconhecer os malefícios do fumo e só não larga porque não consegue: a nicotina provoca a dependência química mais feroz de todas as drogas.

As pessoas, conscientes do sofrimento que o cigarro traz, ficam desesperadas para convencer familiares e amigos a abandonar o vício. Nós, médicos, muitas vezes fazemos o mesmo com os pacientes que nos procuram.

No caso da dependência de nicotina, esse desespero para livrar pessoas queridas do sofrimento que o fumo lhes causará é, com frequência, contraproducente. 


Existem cinco fases:

1) Fase de pré-contemplação: nela, o fumante jura que consegue largar a hora que quiser; se não o faz imediatamente, é porque não tem vontade. Afirma que o fumo não faz tanto mal quanto apregoam, que sua saúde nada fica a dever à de muitos que nunca fumaram e que o tio fumou cigarro sem filtro até os 80 anos e morreu atropelado.

Nessa fase, a intervenção deve ser ocasional, limitada a chamar a atenção para as vantagens da abstinência: melhora do hálito, do fôlego, do sabor dos alimentos, etc.

Talvez caiba aqui uma adaptação do lema dos Alcoólicos Anônimos: “Se você quer fumar, o problema é seu. Se quiser largar, posso ajudar”.

Não esquecer que o dependente precisa de apoio; condenações são ineficazes.

2) Fase de contemplação: ele chegou à conclusão de que precisa largar, mas hesita em marcar data para fazê-lo. No íntimo, não consegue imaginar a vida sem a droga.

Vive dominado por sentimentos de autocomiseração: “Pobre de mim, nunca mais um cigarrinho! Nem depois do café? Nem do copo de cerveja? E se eu engordar e ficar horrível?”.

Nesse estágio, determinação e covardia se alternam em ciclos. Seria o momento ideal para encaminhar o fumante aos grupos de apoio, não fossem eles tão raros entre nós.

A essa altura, se o médico quiser ajudar, é prudente medir as palavras. O melhor é exaltar as vantagens da vida sem fumar e discutir os métodos existentes para enfrentar a síndrome de abstinência de nicotina, mas com cautela. A fase de contemplação não é adequada para submeter ninguém a discursos antitabagistas nem prescrições de medicamentos ou de adesivos de nicotina.

3) Fase de ação: começa quando o fumante marcou data para o último cigarro. É o momento em que ele mais precisa da ajuda dos familiares, dos amigos e de um médico com experiência na área, se possível.

Deles, espera-se a sabedoria de oferecer apoio irrestrito à decisão, mas deixar claro que, em caso de desistência, não agirão de forma reprovativa. Nada desencoraja mais o fumante de tentar parar do que o medo do fracasso.

Durante esse estágio, adesivos de nicotina ou a bupropiona, medicamento que reduz a ansiedade provocada pela síndrome de abstinência, podem ser muito úteis.

4) Fase de manutenção: aqui é importante estimular o ex-fumante a apregoar sua nova condição para os amigos. É durante a manutenção que o ex-fumante tratado com adesivos ou bupropiona deixa de usá-los; daí em diante é por conta dele.

A maioria dos que largaram de fumar concorda que, depois de seis meses, o sofrimento praticamente desaparece. De fato, grande parte das desistências acontece nesse período.

5) Recidiva: diversos estudos mostram que a maior parte dos fumantes só consegue ficar livre da dependência depois de três ou quatro tentativas. Quando a pessoa volta a fumar, é fundamental reconhecer para qual das fases anteriores regrediu.

Se retornou à fase pré-contemplativa, por exemplo, não adianta vir com ladainha para convencê-la a largar de novo. Nada destrói mais a autoestima de alguém quanto voltar a fumar depois de meses ou anos de abstinência.

Recriminações não lhes fazem falta. Se quisermos ajudá-los, devemos dizer-lhes que fracassar diante da nicotina não é humilhação. Humilhante é não reagir contra a dependência que ela provoca.

Fonte: Dr. Drauzio Varella


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